O confronto entre gangues de jovens é um componente comum da violência nos grandes centros urbanos do país. Fortaleza, capital do Ceará, por exemplo, está numa das regiões metropolitanas onde esse fenômeno provoca mais vítimas fatais.
O garoto Francisco Serafim de Souza, de 10 anos, morreu com um tiro no peito no bairro Pirambu, em fevereiro; o estudante Benício da Costa, de 21 anos, foi fuzilado com vários tiros em abril, em Maracanaú; e mais três foram assassinados em julho, Luiz Severino de Lima, 19 anos, no bairro Messejana, e Francisco Ronaldo Azevedo, 22 anos, e outro conhecido apenas por “Bodim”, no bairro Serviluz. Em comum, o fato de que todos os crimes estavam relacionados com brigas de gangues.
A maioria desses casos de violência ocorre em comunidades carentes de segurança e proteção do poder público. Porém, o comportamento agressivo não deve ser associado ao poder aquisitivo. “De acordo com a condição econômica, você tem grupos com comportamentos semelhantes, mas que recebem outros nomes. Uma turma de jovens de classe média que se reúne para sair, por exemplo, é chamada de galera, uma denominação mais suave. E essas galeras também praticam atos violentos”, observa Domingos Sávio Abreu, sociólogo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), que participou como co-autor do livro “Ligado na Galera - Juventude, Violência e Cidadania na Cidade de Fortaleza” (Edições Unesco Brasil, 1999).
“Uma idéia que perpassa todos esse grupos de jovens é a da territorialidade. Seriam gangues de bairro, na verdade. Isso está ligado a uma série de ausências: como eles são despossuídos de bens que o poder público ou a sociedade de consumo não lhes dão acesso, decidem tomar conta de um determinado território e barrar a presença de supostos inimigos”, diz Abreu. “O fenômeno agrega ainda um certo caráter de heroísmo, que tanto atrai os jovens, ao fazer com que tentem penetrar no território proibido – o que provoca reações agressivas e vinganças, numa dinâmica de represália que não tem fim”, acrescenta o professor.
Para ele, o sentimento de posse e violência dos jovens pode ser desviado para outros valores ou atividades culturais, éticos e morais. “Os grupos de hip hop têm forte conscientização”, exemplifica. A opinião é compartilhada por Francisco José de Lima, o Preto Zezé, coordenador geral da Central Única das Favelas (Cufa) no Ceará: “Vejo o hip hop como um fio condutor de conteúdo, idéias e ações que podem mudar a realidade dos jovens e da comunidade onde vivem. Porque é uma manifestação de jovens, a sua maioria negros das comunidades, que, através de elementos culturais, tenta superar a invisibilidade imposta pela sociedade, apesar das distorções e contaminações da industria.”
Uma das questões fundamentais quando o assunto é gangues de rua é a construção da identidade de cada jovem. Para Maria das Graças Rua, cientista social e professora de Ciência Política da Universidade de Brasília (Unb), que participou, em 1999, do trabalho acadêmico “Gangues, galeras, chegados e rappers”, publicado no Rio de Janeiro, "geralmente, a construção da personalidade, por esses jovens, se dá pela oposição: a pessoa passa a saber quem é porque não é como a outra, do grupo inimigo.” E esse processo, segundo ela, acontece principalmente nos grandes centros urbanos, onde a maior parte da população perdeu seus laços culturais ou de família - elementos de construção da identidade.
Para Zezé, a relação com as gangues deve ser trabalhada com cuidado nas comunidades. “Da minha geração, quase todos eram de gangues. Conhecemos muitos que se foram ou estão presos. A convivência se dá pelo respeito, pela reconhecimento da instituição gangue, e assim vamos coexistindo e ampliando o espaço de novas formas de diálogo e afirmação”.
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