sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A CUFA BRASIL PELA PAZ


O Brasil, ao longo da sua história política registra conflitos, revoltas e guerras envolvendo opressores e oprimidos. Sujeitos em condição de desigualdade, que articulados e imbuídos do sentimento de mudança se manifestaram para romper com o que estava posto, a exemplo, ocorrências como a guerra de Canudos, as revoltas da vacina e da chibata, as inconfidências Mineira e Baiana e o processo de resistência quilombola dentre tantos outros movimentos de libertação. Enfim, a guerra como representação bélica resultante das relações de poder e da busca de grupos distintos pelo controle dos espaços/territórios e das suas vidas.

Refletir sobra à história é um exercício de busca do entendimento do presente, assim, na contemporaneidade é possível perceber que os contextos são reflexos dos equívocos e da negação de acessos de grupos, socialmente vistos como minoritários, aos direitos básicos e conseqüentemente ao exercício pleno da cidadania. Portanto, a onda de violência que vivenciamos cotidianamente, não necessariamente, deve ser explicada, mas precisa ser entendida como um desdobramento histórico das desigualdades e ausências, geradores de um sub-extrato social, que germinou diferentes desdobramentos da violência. Por mais duro que pareça, temos de admitir que estamos diante de uma guerra, uma onda de violência que ganhou músculos e implanta pânico a população do Estado do Rio de Janeiro e a todo o povo brasileiro, uma situação atípica, uma guerra tripartite, envolvendo o braço do Estado, o crime organizado e a sociedade civil.

De um lado o Estado imprimindo a força do poder legalizado, tentando fazer jus ao seu propósito mor de garantir a segurança. Na banda B o crime organizado mostrando seu poder de articulação ditando os acontecimentos para além dos muros e grades dos presídios e comandando seus soldados, que em sua maioria não devem saber por que dizem sim. Já no centro do conflito a população dividida entre os desiguais, maioria em situação de vulnerabilidade e os mais abastados, que contraditoriamente também são alvo do processo de democratização da violência.

Diante do exposto é que a Central Única das Favelas no Brasil traz esse manifesto como um desabafo ao que está ocorrendo no Rio de Janeiro, que para nós não é novidade! Pois nos livros Cabeça de Porco (2005), Falcão Meninos e o Trafico (2006), e no relato de soldado do morro, trouxemos um alerta, onde prevíamos o desencadeamento do caos social que está posto agora. O que diferencia nesse momento, é que não há mais meio termo, a situação é dicotômica considerando aspectos como o bem X mal, policia X bandido, pânico X paz. A aparente simplificação não corresponde à profundidade dos fatos, nem explica a origem dos problemas que propiciam o desencadeamento da situação gritante que estamos presenciando, a exemplo da corrupção e da impunidade. Não estamos analisando a questão como especialistas, e nem é essa a pretensão, mas nossa trajetória fala por si, somos parte disso, morremos com isso, vivemos tentando superar essa violência. Temos filhos, amigos e parentes que já se foram e alguns que ainda estão sendo devorados por essa maquina de guerra que se retroalimenta de sangue, ódio e perdas, e ao mesmo tempo também nos devoram, num verdadeiro ritual de cadeia alimentar do caos.

A CUFA espera que depois de toda essa mobilização e comoção nacional, pela punição e aniquilamento dos bandidos, sejam fomentadas políticas públicas para esses mesmos territórios, que não se limitem tão somente a efetivo, munição e viatura. Nossa posição é pela paz, mas acreditamos que ela nunca vai existir sem justiça social, sem igualdade e sem a democratização de acessos e oportunidades, temos que fazer um caminho inverso ao apartheid social.

Chegou a hora de umas das maiores economias do mundo pensar uma inclusão sustentável, não uma inclusão perversa, que relega a invisibilidade grande parcela da população e seus territórios, pois hoje a mesma sociedade e governo que querem “arrumar” o Rio de Janeiro, durante anos ignoraram o que as organizações do movimento social vinham alertando, como é o caso da CUFA, através das nossas letras, livros, documentários e ações, que por muitas vezes fomos acusados e processados por apologia ao crime, por tentar alertar a sociedade e o poder público que o sangue e os fuzis bateriam nas portas dos bem nascidos e nos gabinetes do poder. Mesmo assim, não recuamos como não recuaremos agora, trilhando sempre os rumos da paz acompanhada por justiça. Para tanto nos comprometemos a contribuir com a sociedade brasileira disponibilizando nosso potencial de articulação e abrangência nacional, através do nosso constante exercício de atuação para transformação social. É fato que o sentimento de impotência é predominante, mas não podemos calar, pois mesmo mortos o poder da palavra prevalece. E é justamente o ecoar do grito que motiva a Central Única das Favelas, nos 27 Estados em que atuamos para ressignificar o sentido de solidariedade empoderando indivíduos e contribuindo processualmente para que sejam sujeitos, novos atores sociais, multiplicadores de oportunidades e referencias de superação, fazendo do nosso jeito.

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