segunda-feira, 17 de maio de 2010

Rodrigo Felha e a polícia que não queremos


Rodrigo Felha ao lado de sua namorada e MV Bill, logo após registrar ocorrência.

por Celso Athayde

A relação entre policia e a comunidade em todo o Brasil, em particular a juventude no estado do Rio de Janeiro, carrega um histórico complexo, onde a tensão, a desconfiança e a relação contraditória entre necessidade e medo, permeiam a coexistência de ambos.
Está impregnado no imaginário das forcas de segurança pública do país, a idéia de inimigo interno, oriundo dos tempos da ditadura militar, bem como na própria sociedade, que clama por mais policia como sinônimo de mais segurança, e as favelas nesse contexto são culpadas por antecedência até que se prove o contrário.

Essa construção histórica tem um perfil definido do elemento suspeito, ou seja: jovem negro, mulato, de comunidade. Logo, O estereótipo do “marginal padrão”, também incorporado pelo senso comum da sociedade brasileira. Vale lembrar, que o próprio rapper MV BILL, mesmo depois da visibilidade nacional e internacional já passou por constrangimentos idênticos, sofrendo violência psicológica e moral sendo ofendido por policiais que faziam uma ronda de rotina, sendo agredido com termos como “macaco” por conta da cor de sua pele. (Leia matéria de 2001)

Como essa abordagem faz parte de um processo cultural enraizado nas forcas de segurança (apesar da alegação de que isso é um fato isolado) sempre vem a tona. Logo, ele se torna uma constante, já que a atitude pessoal do policia se recai sobre a instituição responsável pela orientação, recrutamento e formando esse que teoricamente seria o guardião da vida e dos direitos, não o promotor do desrespeito aos direitos civis e o abuso de autoridade.

Ontem o jovem Rodrigo Felha, também morador da Cidade de Deus, membro da CUFA, cineasta e representante dessa instituição no filme 5xFAVELA, que atualmente está no Festival de Cannes, passou por constrangimento semelhante ao sofrido por MV Bill, neste sábado (15/05/10), Felha foi humilhado, ultrajado e ainda coagido a não prestar queixa sobre o fato ocorrido.
Diante da impotência e o receio de represália, Rodrigo Felha ligou para o rapper MV BILL para solicitar apoio, que de imediato acompanhou Felha até o Distrito Policial, onde a queixa foi devidamente registrada.
Quero aqui fazer um destaque, essa não é a polícia que queremos, como também não acreditamos que isso seja orientação do Governador Sergio Cabral ou do Comandante da PM, ao mesmo tempo queremos sair do caminho comum da simples denúncia e punição do policial autor dessa arbitrariedade, pois, para nós da Cufa, isso seria muito fácil, no entanto seria como enxugar um chão molhado e deixar a torneira aberta, pois a cultura dominante autoritária que carrega o estereótipo das favelas e seus habitantes como humanos (sem direitos) permaneceria, mesmo com o policial punido.
Para quem não sabe o Felha é o jovem que filmou o documentário Falcão – Meninos do Tráfico, que parou o Brasil em 2006, onde significativamente através da sua lente pautou os temas: criminalidade, juventude e violência para o país. Por coincidência estou em Brasília discutindo e elaborando o projeto “ Os Invisíveis” que trabalhará com jovens atualmente só enxergados pelo poder público em ações policiais repressivas.
Retorno ainda hoje de Brasília e pedirei uma audiência com o Governador Sergio Cabral, para deixar claro que esse fato não pode colocar em “xeque” o projeto das Unidades de Policia Pacificadoras, mas por outro lado mostra que alguns pontos precisam ser revistos.
E como sugestão, iremos propor ao governo do estado uma parceria com a CUFA, onde a última fase de treinamento e qualificação desses policiais, seja feita em parceria com instituições das favelas onde esses profissionais irão atuar.
Pois é fundamental que os policiais conheçam cada palmo desse território, porém, tão importante quanto conhecer, é reconhecer os sentimentos das pessoas que habitam esse território.

Em tempo: Acabo de entrar em contato com Felha que esta no aeroporto a caminho do Festival de Cannes e o mesmo concordou com a criação de um projeto, e ainda sugeriu que a coordenação seja feita por ele e pelo policial em questão.

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