sexta-feira, 20 de março de 2009

MV.Bill e Celso Athayde visitam o Haiti






Último dia de MV Bill e Celso Athayde no Haiti
Bill conheceu a Favela Cidade de Deus haitiana, relembrou os tempos de infância e foi homenageado pelo Exército Brasileiro e a Marinha do Brasil

Em seu último dia no Haiti, Bill e Athayde acordaram cedo e foram visitar uma favela com um nome bem comum a eles: a favela Cidade de Deus, no Haiti. Ao percorrer becos e vielas, conversaram e conheceram muitos moradores de lá.

A homônima Favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, se divide em quatro partes, e uma das semelhanças apontadas por MV Bill era que a CDD do Haiti também se dividia em classes sociais. Segundo Bill, é nítido para todos que apesar da miséria, algumas pessoas eram, ainda assim, menos felizes e mais depressivas socialmente.

À tarde, visitaram um projeto da Viva Rio, uma organização não-governamental do Rio de Janeiro que faz trabalhos sociais no Haiti há alguns anos. O trabalho que Bill e Athayde foram conhecer de perto é voltado para mediação de conflitos entre jovens, usando o Hip Hop e outros elementos como instrumento de transformação. Sim, o Hip Hop também é instrumento de transformação no Haiti.

Nesta despedida do Haiti, MV Bill voltou a ser criança novamente. Ele brincou com as crianças no Forte Nacional, uma base militar brasileira onde são feitos vários projetos e ações sociais com jovens e seus familiares.

Celso Athayde enviou à CUFA, durante todos os dias em que esteve no Haiti, um relatório apurado, com várias impressões acerca do país, seus costumes, o cotidiano do povo haitiano. Abaixo, Athayde fez um relato que ao mesmo tempo emociona e choca, tamanha a miséria e dificuldade.

“Algumas coisas que ali aconteciam já não eram para nós novidade no Haiti – sobretudo nas favelas como CT Solei, Bel Air , Broklin, Cité Gerard, Boston, Ti Haiti, entre outras –, como ver mulheres e homens tomando banho na rua absolutamente nus ou mesmo urinando ou defecando à luz do dia em espaços públicos, como se fosse a coisas mais natural do mundo, e para eles é. As crianças são encarregadas de jogar fora, às vezes da noite anterior, no lixo em frente às suas casas ou nos rios entupidos. Pois é, a vida dessas pessoas nestas favelas são tão primitivas que suas casas se quer possuem banheiros. Sem falar que não têm luz, esgoto e comida. A impressão que temos é que todas as pessoas do Haiti trabalham na rua, vendendo qualquer coisa, ou, quem sabe, trocando por outras. O fato é que as ruas ficam repletas de gente, que divide suas comidas regionais vendidas com lixo, esgoto e animais. Um profundo caos em matéria de higiene e saúde publica...”

O Exército Brasileiro

“Derrubamos em nós o mito de que a população não apóia a presença das tropas, sejam elas brasileiras ou não. É evidente que existem pessoas contrárias a essa permanência militar da ONU no Haiti, mas pelo que nós percebemos e perguntamos espontaneamente a quem passava nas ruas e becos, temos a certeza – eu, pelo menos, tenho – de que essa permanência é fundamental e acertada. Se 20% das histórias contadas por esses moradores infelizes e sem educação (50% são analfabetos) forem verdade, se as gangues realmente faziam as atrocidades citadas, então não seria realmente possível promover a paz e as ações sociais nesse ambiente sem que antes houvesse uma intervenção para restabelecer a ordem. Eu, particularmente, perguntei a muitas pessoas. Existiam as que diziam que não podia falar gravando com medo de represália, mas que era importante a presença das tropas. E para fechar essa questão, eu reproduzo aqui a resposta de um jovem de 21 anos da favela de Belé, historicamente uma das mais violentas do Haiti: ‘O Brasil tem armas grandes, os facínoras têm medo dos brasileiros. Se o Brasil forem embora eles vão voltar e vão oprimir a gente. Eu prefiro que o mundo acabe’.

Bem, amigos, a mim não interessa nada além da realidade, e essa foi a que eu vi. Mas gostaria que vocês perguntassem para uma pessoa que está presente nessas comunidades e fazendo um trabalho com elas: é o comandante Amaury, que na condição de militar poderá discutir e ser questionado por todos vocês. E, aliás, acho muito bom que seja. O e-mail dele é amaury.junior1966@gmail.com


As gangues e a violência

“As gangues haitianas sempre tiveram fama de serem muito violentas, vide uma informação que a mim foi narrada por um jovem morador e depois confirmada com riqueza de detalhes por um major da Forca Nacional, que passou a patrulhar as favelas no horário entre 04h e 06h (da manhã):

Quando os trabalhadores e trabalhadoras estavam indo para seus trabalhos com seus poucos pertences é que as gangues cercavam-nos para lhes roubar. Aqueles que não tinham nada para perder eram estuprados, fossem homens, mulheres, velhos ou crianças.

Outras pessoas afirmaram que cada gangue tinha um estuprador, que muitos deles iam para os EUA colocar uma prótese no pênis com ponta de aço para não se limitar à humilhação, mas destruir a vítima. Era evidente que aquilo era real, pois mesmo no Brasil muitas vítimas são espancadas por marginais quando não têm pertences, e tratando-se de um país destruído, de favelas que beiram a selvageria, isso não seria nada improvável.

Bill várias vezes se emocionou durante essa visita, comparando a Cidade de Deus que ele mora e a outra Cidade de Deus que aqui ele visitava. Muitas semelhanças e muitas tristezas. Mas as fotos falam por si mesmas.

Hoje foi o último dia de Haiti, sexta-feira. Sábado é dia de voltar pra casa. Saímos da Cidade de Deus haitiana e partimos para o Forte Nacional, mas antes demos uma passadinha rápida no Palácio do Governo...

Esse é um dos poucos contrastes do Haiti: quando temos um Palácio tão nobre, tal alvo e tão imponente, a metros de distância encontramos pessoas famintas.

Outra coisa que me chamou a atenção foi que as mulheres não se depilam. Então, perguntei ao nosso tradutor, um negão de 57 anos, a razão. Ele explicou que em sua cultura as mulheres não se depilam porque quando elas fazem isso é porque estão doentes, com doenças contagiosas, e por tanto, nenhum homem se aventuraria a uma relação com elas.

As curiosidades não paravam. O sol era escaldante e eu já tinha visto em alguns momentos alguns adultos espancarem crianças – imagino que fossem seus filhos, ninguém intervinha ou, se quer, esboçava reações. Em nossas conversas com a população ficamos sabendo que as brigas de família são comuns, exatamente como em qualquer lugar do mundo, só que ali tinha uma diferença: os pais, sobretudo as mães, batem nos filhos com pedras para machucá-los, e é muito comum, seja em família ou entre vizinhos, os esfaqueamentos sem perfurações profundas, mas aqui existe a cultura do corte no corpo das pessoas, sobretudo no rosto. As garrafas também são muito usadas para essa finalidade.”
Por: Fernanda Quevedo

Relato de Celso Athayde sobre o Haiti

“Confesso que eu sempre fiz críticas ao que eu chamava de ocupação das tropas brasileiras no Haiti, mas ao conhecer o que se passa por lá, essas críticas se tornaram ingênuas e infantis, pois não se trata de uma ocupação, mas de uma forca de paz que tem o objetivo de estabelecer a ordem pública no país a pedido do próprio governo haitiano. E agora sei que muitos outros países estão nesta missão a convite da ONU. Mas eu tenho mesmo a mania ou até o desejo de criticar, e se a ONU não entrasse para fazer esse trabalho, eu certamente acusaria a de ONU de estar virando as costas para o conflito no Haiti só porque só tem preto lá, e chamaria a ONU de racista.

Não tem jeito: ou o Brasil se desliga da ONU ou vai estar sempre propensa a fazer trabalhos com ela, o que é o caso.

Na foto abaixo: Resolvemos ir com a mesma tropa para conhecer, à noite, a favela mais violenta de Porto Príncipe. Juntamos os soldados que fazem toda noite as patrulhas para mostrar que estão presentes. A miséria do lugar é tão grande que tudo vale muito dinheiro. Por exemplo: A existência das gangues tinha o objetivo de explorar os miseráveis cobrando pedágios em todos os serviços para a comunidade, como água. As gangues então se apoderavam desses benefícios do Estado, que acabavam não chegando à população. Portanto, passei a entender que as armas do exército realmente teriam que existir. Do contrário, não existiria forma de fazer uma pacificação eficiente.”

“Embarcamos com a tropa do exército para conhecer a favela à noite. Não haveria incursões ou tiros, simplesmente queríamos comparar o que vimos durante o dia, agora à noite.”

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