A luta de Denis de Manoel Soares e Paulo Daniel
Em meio a tantos rostos e memórias, a imagem central e o delito. Um jovem segura com as duas mãos a cabeça, em colapso. Em outras versões de si, eclodem sentimentos confusos. De todos os traços que definem a sua imagem, um universo inteiro transborda. Fazendo alusão a frase “cada favelado é um universo em crise”, do Racionais Mc’s, a capa do livro “A luta de Denis” é uma metáfora para o tema central de seu enredo, sendo também história de muitos jovens da periferia. A obra foi lançada no dia 21 de março, no Shopping DC Navegantes, e é de autoria de Manoel Soares e ilustrações de Paulo Daniel Santos. Com o intuito de trazer a reflexão, o livro faz parte do projeto da CUFA RS para 2015.
Paulo Daniel Santos – ilustrador da obra
“Tem essa coisa de a gente buscar o melhor do nosso trabalho, o melhor que a gente pode fazer. E de dividir isso com vocês que estão aqui”, ressaltou o ilustrador Paulo Daniel Santos, que iniciou o evento. Em sua fala ele abordou o processo de criação da obra, as suas fontes de inspiração e a importância dos educadores. “A professora está mais de 200 dias do ano com o jovem, e essa parceria com as escolas é para a gente ganhar dentro da vida dele”, destacou. Para ele, os educadores não são assistentes sociais, mas insistentes e a dedicação deles faz toda a diferença.
Ivanete Pereira – mãe dos autores e Coordenadora Institucional da CUFA RS e Ana Lonardi em momento especial com a música Meu Guri.
Criando uma linha entre realidade e ficção, Santos revelou que pontos de sua realidade e de Soares foram arquitetando a obra. “Dona Ivanete é referência na minha vida, não só como mulher e como mãe, mas como guerreira. Trabalhava em duas casas ao mesmo tempo e nunca chegou em casa e demonstrou tristeza, nunca passou esse peso. Quando retrarei a mãe de Denis quis retratar uma mulher forte, que criou seis filhos com dignidade”, explicou Santos, que se inspirou em Ivanete Pereira, sua mãe, para ilustrar o livro. Após estes dizeres, ele chamou a mãe ao palco e se retirou, dando espaço para a voz da cantora e compositora Ana Lonardi, que fez ecoar no salão a música Meu Guri, de Beth Carvalho. “Quando, seu moço, nasceu meu rebento, não era o momento dele rebentar. Já foi nascendo com cara de fome e eu não tinha nem nome pra lhe dar. Como fui levando não sei lhe explicar, fui assim levando ele a me levar. E na sua meninice, ele um dia me disse que chegava lá”, cantou, aninhando no canto a lembrança das mães e homenageando Ivanete.
Lisandra Félix – Coordenadora do Projeto Papo Reto apresentou os dados no triênio nas escolas.
Em seguida, Daniel chamou ao palco a Coordenadora do Projeto Papo Reto, Lisandra Félix, que apresentou a iniciativa e apontou o seu alcance nas Escolas Municipais. Realizado desde 2007, em mais de 50 escolas e em 180 municípios, o Papo Reto atingiu 420 mil pessoas, destas, 50 mil nas escolas de Porto Alegre. Nos últimos três anos teve como foco, respectivamente, os alunos, os professores e a família, abordando a importância destes e estabelecendo laços com as comunidades. Ligando o projeto a ideia de produzir o livro, ela descortinou alguns dados.
“Fizemos um levantamento de dados em 16 escolas procurando saber o que as crianças estavam sabendo sobre o consumo de drogas. O formato foi de dez perguntas, realizadas com jovens de 10 a 16 anos”, explicou Lisandra. O levantamento mostrou que todos os jovens de periferia entrevistados já tiveram contato direto ou indireto com a criminalidade e já viram uma pessoa morta na rua. Além disso, 45 % teve um familiar que foi ou está preso e pelo menos 50% não tem contato frequente ou boa relação com as figuras paternas. De acordo com Lisandra, após estes dados surgiu a pauta de promover algo que possa influenciar positivamente os jovens, impedindo que se tornem estas estatísticas. A Luta de Denis, publicação cujo foco principal é retratar o contato do jovem com seu primeiro delito, é uma ferramenta capaz de trazer reflexão quanto a este momento, que muitas vezes influencia a vida inteira do jovem. “Este é um trabalho muito significativo e importante, que precisamos dar continuidade”, finalizou Lisandra.
Manoel Soares – Autor e Coordenador Estadual da CUFA RS
Retomando a fala, Daniel resgatou a história da CUFA RS, quando tudo iniciou na casa da família, no Morro da Santa Teresa. “Chegou um ponto que percebemos que só havíamos alcançado os jovens daquela comunidade e precisávamos expandir. Atendíamos jovens de outros municípios e a gente percebia que cada coletivo reagia e enfrentava de formas diferentes essas temáticas de periferia. Precisávamos alguém”, expôs, chamando em seguida o Coordenador da CUFA RS e autor do livro, Manoel Soares.
“A Luta de Denis não é uma historia da minha vida, mas baseada em alguns fatos. A partir dessa historia fragmentamos outras histórias de dentro das favelas em que trabalhamos. O livro traz o momento significativo em que o jovem decide ou não cometer o primeiro delito, que é invisível, silencioso”, introduziu Soares, sublinhando que este momento tem peso de definir o futuro do jovem. Um dos diferenciais do livro é que as últimas páginas estão em branco, garantindo o protagonismo ao leitor, que irá decidir por Denis. “O jovem projeta a sua vida, e este cálculo engloba seu momento quando ele estiver frente a isso”, completou Soares.
Narrador Kanhanga canta uma música inspirada no livro A luta de Denis.
“Era um menino bom, vivia em comunidade. Como qualquer outro gritava dificuldade…E o final dessa história quem decide é você”. As palavras ritmadas do narrador e rapper angolano Kanhanga pincelaram o evento. A nova composição de Kanhanga tomou espaço e traduziu musicalmente trechos da obra. O rapper teve contato com a CUFA quando a sede era no Morro Santa Teresa, e foi convidado a trabalhar lá por um tempo. A experiência daquela época que o fez subir orgulhoso no palco hoje, homenageando “A Luta de Denis” com seus versos. “Assim como eu muitos outros jovens tem esse conhecimento de salvar vários e vários adolescentes, faço essa fala pra agradecer CUFA”, evidenciou.
Prefeito de Porto Alegre/RS José Fortunatti
O momento também foi marcado pela presença do prefeito de Porto Alegre, José Fortunati. Ao ser convidado ao palco, Fortunati enalteceu o livro, mencionando que acompanha o trabalho de Ivanete e da CUFA há tempo. “É um livro encantador, quem começar a ler não vai parar”, pronunciou. O prefeito mencionou o outro livro da CUFA RS, “Escudeiro da Luz e Os Zumbis da Pedra”, ressaltando que este teve forte potencial nas escolas, onde um ótimo trabalho foi desenvolvido com os alunos. ”É um trabalho maravilhoso e que eu quero, não como cidadão de porto alegre, mas como prefeito de Porto Alegre, reconhecer. Porque é dessa forma que a gente constrói uma sociedade melhor, mais solidária”, acrescentou quanto a obra “A Luta de Denis”. Finalizando a fala, ele parabenizou a iniciativa a os presentes que a tornaram possível. “O jovem tem momentos para pensar quem ele será o futuro. A gente tem que acreditar que é possível construir uma sociedade melhor, o exemplo está aqui, o exemplo está na CUFA, está na Ivanete”, proferiu.
Daiane Freire Benites representando a direção do Hospital Divina Providência, parceiros da iniciativa.
Manoel retomou a fala informando sobre a dura realidade das periferias e a violência a qual os jovens são expostos, que dificulta caminhos e muitas vezes os leva a morte. “Quem é professor sabe como é complicado enterrar aluno e temos que quebrar esse ciclo, sejam nossos parceiros, critiquem, sugiram, façam o que for necessário”, solicitou. Logo após chama Daiane Freire Benites, representante do Hospital Divina Providência, que discorrou sobre a parceria com a CUFA RS. “A gente acredita muito que o projeto dá certo e por isso estamos cada vez mais tentando contribuir, porque sabemos que o projeto da retorno e é um prazer estarmos aqui”, alegou.
No encerramento, Manoel e Daniel dividiram o palco, falando sobre o alcance do livro e metas que este tem e apresentando uma amostra do vídeo narrativo. Além da versão impressa, há também uma versão sonorizada com a voz de Soares, que permite maior acesso. O foco desta ideia são os jovens que tem dificuldade com a leitura, que poderão acessar o conteúdo por meio do youtube. “O objetivo é que esse projeto, quando trabalhado por professores na sala de aula, não seja mais nosso, mas de cada jovem e posteriormente da cidade”, concluiu Santos.
Paulo Daniel, Manoel Soares e Ivanete Pereira dividem o palco no encerramento da cerimônia de lançamento.
O último momento é intensificado pelo depoimento de Ivanete Pereira, que compartilhou a sua trajetória. Com resistência, ela driblou as dificuldades impostas e estendeu a mão a jovens de várias comunidades. “Um dia, fui ao Morro Santa Teresa e vi um menino no lixo catando coisas para comer, virei o rosto de vergonha porque queria dar dignidade para ele. Aí vim para a linha de frente”, contou. No meio de sua narrativa, chamou um dos filhos para cantar um rap com ela no palco, e salientou o quanto a família é fundamental. “Faço um apelo a vocês. Nos ajudem, não deixem a gente perder a nossa juventude”, exclamou. Por fim, Ivanete deu mais tom à totalidade, preenchendo o local com melodia. “O azul, o azul e o amarelo valor materno, formou um elo. O azul, e o azul e o amarelo, valor materno, formou um elo”.
Paulo Daniel e Manoel Soares no momento dos autógrafos.
Abrindo a sessão de autógrafos e entrega de livros, que formou uma grande fila, Manoel se emocionou ao falar da CUFA e empenho ao longo destes anos. “O que não dá pra admitir é jovem morrendo”, ratificou. Estavam presentes no lançamento do livro professores e coordenadores das EMEFs Vereador Antônio Giudice, José Loureiro da Silva, João Antônio Satte, Ana Iris do Amaral, Nossa Senhora de Fátima, José Mariano Beck, Décio Martins, Saint Hilaire, Gabriel Obino, Timbaúva, Jean Piaget, Vereador Martin Aranha, Chapéu do Sol e Presidente João Goulart. Além das escolas, o lançamento teve a presença do Secretário da Educação do Rio Grande do Sul, Vieira da Cunha, o vereador e ex-Secretário da Saúde, Carlos Casartelli e da representante da SMED, Célia Maria. Os exemplares de “A Luta de Denis” foram distribuídos para todos os presentes e a obra promete impacto social, pois se em todo o favelado há um universo em crise, também há um universo que se expande em sonho e luta.
Ferramenta literária de prevenção à violência nas escolas – Papo Reto 2015
Com a parceria do Hospital Divina Providência, o Papo Reto inicia 2015 com novo objetivo. Proporcionar aos jovens ferramentas que os influenciem no momento de decisão, aumentando sua possibilidade de se blindar de todo tipo de aliciamento, inclusive os ocasionados pela drogadição. Para isso, a CUFA RS propõe a inserção de 30.000 unidades da ferramenta literária “A luta de Denis” nas escolas municipais de ensino fundamental, a realização de 80 encontros com os autores para a realização de oficinas de desenho e palestra e a realização de 20 apresentações teatrais.
O projeto inicia em abril nas escolas municipais de Porto Alegre.